Já aconteceu de você abrir a geladeira sem nem estar com fome e, do nada, se pegar beliscando alguma coisa pra “acalmar os nervos”? Isso pode ser um sinal de comer emocional. E não precisa se culpar: muitas vezes, a comida vira nossa primeira reação automática quando a vida aperta. É como se o paladar fosse um refúgio rápido contra as tempestades internas. Quando percebemos, estamos devorando um pacote de biscoito sem saber direito o porquê.

Mas será mesmo que a fome é autêntica? Como saber se é o estômago roncando ou o coração que pede conforto? Esse “empurrão” invisível pode ser fruto de várias emoções: ansiedade, frustração, tédio ou até mesmo um vazio que a gente tenta preencher com os sabores. E, convenhamos, se a alimentação fosse só para nutrir o corpo, as escolhas seriam bem mais simples. Muitas vezes é a mente que comanda o garfo, e a gente se confunde achando que é fome real.
Então, como identificar os sinais de que a comida está sendo usada como anestésico emocional? Neste post, vou listar alguns indícios clássicos de que o seu apetite pode não ser fisiológico, e sim emocional. A ideia é começar a perceber nossos padrões, entender por que eles acontecem e, com isso, criar a chance de mudar. Afinal, o primeiro passo para lidar com algo é reconhecê-lo. Então segue comigo nessa conversa.
1) Sensação de urgência e pressa para comer
Um dos sinais mais óbvios do comer emocional é a urgência desesperada de mastigar alguma coisa. Se você sente que “precisa comer agora”, sem se importar com o que tem pela frente, é provável que não seja fome física. Essa urgência costuma vir acompanhada de um cenário mental agitado: preocupação, ansiedade ou aquela palpitação que faz a gente precisar de um alívio imediato. Nessas horas, raramente escolhemos alimentos com critério. É o tipo de comportamento que gera correria até a despensa ou a geladeira, qualquer coisa serve.
Por que isso acontece?
Quando estamos ansiosos ou tensos, o corpo libera hormônios de estresse que podem nos deixar mais impulsivos. A comida surge como uma espécie de analgésico rápido. O cérebro entende que, ao liberar dopamina (relacionada à sensação de prazer), reduz a aflição. Só que esse “remédio” alivia por poucos minutos e, geralmente, a sensação negativa volta em seguida, muitas vezes junto da culpa.
2) Vazio interior sem causa física
Sabe aquela vontade de comer que não surge no estômago, mas sim “na cabeça”? Esse é outro sinal. A fome genuína dá avisos no corpo: estômago roncando, fraqueza ou sensação de que falta combustível. Já o comer emocional costuma ser mais difuso, algo como: “estou inquieto, mas não sei bem por quê”. Você passa a vasculhar armários e geladeira sem um rumo definido, como se estivesse procurando uma emoção gostosa num pacote de biscoito.
Por que isso acontece?
Muitas vezes, temos sentimentos acumulados — raiva, tristeza, solidão — que não foram reconhecidos nem expressos de outra forma. A comida então vira um alívio simbólico. Em lugar de falar sobre o problema ou lidar com ele de modo saudável, buscamos sabores que tentam preencher o vazio emocional.
3) Comer sem prazer de verdade (mas sem parar)
Diferente de saborear a refeição, o comer por emoção costuma ser mecânico. A pessoa engole repetidamente, às vezes num ritmo rápido, quase sem sentir o gosto real. O objetivo inconsciente não é saborear, é entorpecer a frustração ou o tédio. Então, mesmo quando os sabores nem estão tão bons, a gente continua comendo.
Por que isso acontece?
O ato de mastigar e engolir pode distrair. É uma fuga temporária de pensamentos que causam desconforto. Enquanto está mastigando, você não pensa no problema que estava incomodando, pelo menos por alguns instantes. Esse alívio rápido, porém, não resolve a raiz da questão e, depois, a frustração só aumenta.
4) Culpa e arrependimento pós-lanche
Se você se sente mal imediatamente depois de comer e pensa “por que fui fazer isso?”, é grande a chance de ter sido uma decisão guiada pelas emoções. A fome física legítima não costuma vir com um fluxo de culpa. Quando o corpo precisa de nutrientes, a gente come e se sente melhor, sem arrependimentos. Se, em vez disso, você tem uma sensação de fracasso (“lá vou eu de novo”) ou até vergonha, é bem possível que tenha sido comer emocional.
Por que isso acontece?
Porque, no fundo, a pessoa sabe que não resolveu nada, apenas anestesiou. E a gente percebe que, além de o problema continuar lá, ainda há o risco de consequências na saúde. Esse ciclo alimenta uma bola de neve de insatisfação e baixa autoestima.
5) Escolha de alimentos específicos (geralmente calóricos ou doces)
Quando você está com fome física, qualquer alimento ajuda. Pode ser uma refeição mais simples, um prato de arroz e feijão, uma fruta. Mas no comer emocional, a tendência é buscar itens mais gordurosos, hipercalóricos, doces ou ultraprocessados. Por quê? Porque nosso cérebro “aprendeu” que esses alimentos liberam maior quantidade de dopamina e dão aquela sensação de prazer imediato.
Por que isso acontece?
É um sinal claro de que não se trata de alimentar o corpo, e sim buscar conforto. Alimentos muito doces ou com alta densidade calórica ajudam a mascarar o desconforto psíquico. É quase uma analgesia instantânea. Mas, novamente, essa tática não sustenta a longo prazo.
6) Falta de atenção às pistas de saciedade
Quando a fome é genuína, existe um ritmo. Você sente o estômago vazando, come até ficar satisfeito e percebe que está ok. No comer emocional, não há muito espaço pra identificar se está satisfeito ou não. Você simplesmente “desligou” a escuta interna. Só para de comer quando acaba o pacote ou aparece algum fator externo que interrompe, como a chegada de alguém.
Por que isso acontece?
Porque o propósito não é nutrição, e sim tapar um buraco emocional. Se não estamos conectados com os sinais do corpo, podemos ignorar a saciedade. Isso leva a excessos e àquela sensação de “comi demais e agora tô pesado”.
7) Comer escondido ou disfarçar o quanto consome
Pessoas que experimentam comer emocional com frequência podem se sentir envergonhadas. Algumas começam a comer longe dos olhos de todos, omitem a quantidade real que ingerem, descartam as embalagens em segredo. Se você se pega entrando em “modo furtivo” para comer, pode ser um alerta de que sua motivação é bem mais emocional do que fisiológica.
Por que isso acontece?
Sentimentos de culpa e vergonha aparecem com força. Então surge a tentativa de esconder o ato, quase como se fosse proibido. Além disso, ao fazê-lo em segredo, a pessoa se permite comer mais, pois não há ninguém para julgar ou perguntar nada.
E agora, o que fazer?
O primeiro passo é aceitar que isso acontece. Se você notou esses sinais, significa que já deu meio passo para entender suas emoções. E isso é bom. Em vez de castigar a si mesmo, use essa percepção como um sinal de que algo precisa de atenção. Reconhecer que o comer emocional está presente não resolve tudo, mas abre uma porta para mudança.
A partir daí, algumas estratégias podem ajudar:
Observar as emoções: antes de comer, pare e reflita: “eu tô com fome de verdade ou estou ansioso/triste/entediado?” Essa pausa já cria um pouco de consciência.
Buscar outras vias de descarregar emoção: falar com amigos, praticar atividade física, escrever um diário, buscar ajuda profissional. Aos poucos, você descobre meios saudáveis de lidar com o que sente.
Planejar refeições e lanches: quando você se programa, diminui as chances de comer impulsivamente. Ter opções nutritivas e prontas na geladeira faz diferença.
Procurar acompanhamento: terapia cognitivo-comportamental, por exemplo, é citada em diversos estudos como eficaz para trabalhar os gatilhos do comer emocional (1). Um psicólogo pode ajudar a mapear gatilhos e criar ferramentas práticas.
Lembre-se: lidar com as emoções não é apenas “ter força de vontade”. É preciso entender as raízes, experimentar métodos para não virar refém daquele ímpeto de sair comendo sempre que o humor balança. E, acima de tudo, aprender a ser mais compassivo consigo mesmo. Comer emocional não é um defeito pessoal, mas um sintoma de algo que quer a sua atenção.
Referência científica:
Alberga AS, et al. Weight bias and eating behaviors: Implications for treatment and prevention of eating disorders. Journal of Eating Disorders. 2019;7(1):15. Publicado em revista peer-reviewed de alto impacto, aborda como comportamentos alimentares podem ser influenciados por múltiplos gatilhos emocionais.
Commentaires